sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Dica de livro

Cronografia do Contestado - apontamentos históricos da região do Contestado e do Sul do Paraná é um livro indispensável aos estudiosos, curiosos e outras coisas mais do tema Contestado. O autor, meu amigo  professor Fernando Tokarski, morador de Canoinhas/SC, dedicou seis anos de pesquisa à obra.  O resultado foi o nascimento de um verdadeiro guia de datas marcantes da Zona Contestada. Mês a mês, o leitor poderá acompanhar o que aconteceu - quando, onde e como - no lugar que um dia foi disputado por Santa Catarina e pelo Paraná. São  quase trezentas páginas que merecem um lugar na tua estante, paisano. Tokarski é um tipo em extinção - o cara que vai às fontes, que faz pesquisa de campo. Então, boa leitura.


sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Floripa, estou voltando

     Depois de uma noitada regada a refrigerante e pizza, na companhia dos meus amigos do seminário diocesano, recolho-me ao catre por volta de 1h. Acordo duas horas depois sob os acordes celestes, literalmente. A trovoada, seguida de grossos pingos, encharca Caçador. É, não adiantou mandar lavar a charrete, constato. Deixo o município que mais produz tomate por hectare do Brasil por volta de 8h. Mais uma vez perco o café da manhã. Pães de batata me esperam na padaria. A chuva persistente faz os 15º ter cara de oito. Quarenta quilômetros depois, estaciono no hospital de Lebon Régis. Lá, converso com Rose Maria, filha de João Ventura. Ele morreu aos cem anos de idade. Rose é filha do segundo casamento de Ventura. "Quando meu pai casou com minha mãe, ele já tinha setenta anos; ela, vinte e cinco. Minha mãe teve quatro filhos, duas meninas e dois 'piá'", informa a auxiliar de serviços gerais. Como um bom nordestino, que perde o amigo mas não o chiste, brinco: "que menino danado, hem". Rose ri como se estivesse sem fazer isso há décadas. Mais descontraída, diz sem deixar de lado o tom respeitoso comum aos moradores da região: "Eu nasci naquela casa que o senhor conheceu".
Rose Maria
     O avô de Rose, Chico Ventura, foi, ao lado de Euzébio Ferreira dos Santos, os principais aglutinadores da religiosidade cabocla do Contestado. Vale ressaltar que o ajuntamento comandado pelos dois era eminentemente religioso. Com o passar do tempo a coisa foi tomando aspecto de revolta popular. Rose diz que o pai pouco falava com a família sobre a guerra. "Ele contava mais para os outros, com a gente quase não contava", observa. "Eu lembro que ele dizia que era muita festa", completa. Depois arremata: "mas depois veio muito sofrimento, muita morte; aí a fome foi grande". 

    A chuva não dava trégua quando seguí para Curitibanos. O zigue-zague da estrada tinha um ingrediente - as panelas no asfalto. Por volta das 10h30 dei uma passada no Museu Histórico Antônio Granemann de Souza, de Curitibanos. De lá, fui à residência de Altair Goeten de Morais, um pesquisador local do Contestado. Uma hora de bom papo passa rápido. Enquanto o Bee Gees cantava "Feel I'm goin' back to Massachusetts", a bússola no painel apontava a direção leste - Floripa, estou voltando. 
Museu Granemann em Curitibanos
Aldair  Goeten
 

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Ô, Carol, devolve as placas, vai

     Perdizinhas e Caraguatá foram o meu destino hoje. Quando saí de Caçador, por volta das 8h, o sol ainda não tinha forças suficientes para desfazer o tapete de nuvens que impediam o brilho e o calor dele. 12º. Segui na direção de Lebon Régis. Poucos metros após o quilômetro 117 fica a entrada para Perdizinhas. Buracos, buracos, buracos. Bastaram três quilômetros e meio para eu avistar, do lado direito, uma construção de madeira. Em frente, sob uns pés de pinheiro americanos, está o carcomido marco do Contestado. Quatro das sete placas que formam o monumento estão faltando. "Foram as pessoas que vieram de Curitiba quem levaram", denuncia Roseli Marafigo, moradora da casa que fica nos fundos do paiol. E completa: "veio um ônibus de Curitiba, faz uns oito anos, e sairam andando por aí, conhecendo tudo. Uns deles arrancaram as placas. Meu piá viu e disse que eles não podiam fazer aquilo, mas eles disseram que iriam fazer umas cópias. Meu piá era pequeno e não pôde fazer nada. No outro dia eu fui à cidade (Lebon Régis) e registrei um boletim de ocorrência na delegacia". Perguntei se ela sabia alguma coisa sobre o grupo paranaense e ela respondeu que "só sei que o nome de uma mulher era Carol, só isso".
Roseli Marafigo
     Sem ter a menor noção de quem era Carol, e muito menos de como encontrá-la, fui um pouco mais à frente e entrei numa estrada da largura de um sapato número 36. Antes, claro, fotografei a taipa ao lado do marco do Contestado. Historiadores afirmam que ela foi usada pelo exército como crematório de caboclo. Roseli garante: "pode cavar lá dentro que o senhor achará ossos".
Taipa serviu de "microondas" usado pelo exército
Taipa, agora, só recebe vegetação
     Espremendo o carro, alcanço a antiga casa de João Ventura. Filho de Chico Ventura, um dos primeiros líderes dos sertanejos religiosos, João foi tamboreiro do reduto. A construção, que sobreviveu a guerra, está lá. Um símbolo da resistência cabocla. De alteração só tem uma varanda coberta por telhas de amianto. Entrar é mergulhar num portal que remete o visitante aos anos 1910. Toda feita em madeira - exceto um cubículo erguido anos depois, na frente -, foi completamente preservada. A maioria dos cômodos não possuem iluminação artificial. Réstias de sol entram pelas frestas e dão ao local um aspecto mais antigo ainda. O dia ensolarado facilita minha incursão. Peço permissão para subir ao sótão. Sou autorizado, não sem uma reserva: "cuidado com os degraus". Pé ante pé, alcanço o assoalho superior. Por uma rótula, consigo ver a vereda que traz àquela que foi o lar de Ventura. O cheiro no interior da residência do velho líder dos rebeldes é uma mistura de vários aromas. De cara, identifico três: tabaco, mofo e fumaça.
Casa de João Ventura - Perdizinhas/Lebon Régis
Eu estive lá, na casa de Ventura
Interior de um dos quartos
     O sol já reinava absoluto no chão que um dia abrigou os caboclos rebelados, quando deixei a casa que morou João Ventura. Fui à Caraguatá. Pense numa estrada ruim. Multiplique por 27. É a que vai para São Sebastião do Sul. O lugarejo já teve diversos nomes - entre eles, Caraguatá e São Sebastião. Do asfalto até o povoado são exatos onze quilômetros. Que saudade da motoca. Tinha que dirigir a 20km/h. Na moto, ano passado, eu andava a 80 sem correr risco - exceto a possibilidade de cair e quebrar uma perna, os dois braços e 72 costelas. A verdade é que a estrada é feita para motocicletas e caminhões que carregam madeira. Se não fosse o visual, seria um terror.
Estrada para caraguatá
São Sebastião é um lugarejo com uma meia dúzia de três ou quatro casas. Mato à dentro, no entanto, elas ganham número que chega aos três dígitos, segundo moradores do lugar. Não tem uma escola, sequer. Grande mesmo só o cemitério, que tem até lápide feita toda em madeira.
Lápide em madeira
Aproveitei para registrar minha passagem pelo povoado atacado pelo exército na guerra fratricida que exterminou moradores do sertão catarinense no início do século passado.
Opa, o Gile foi lá, sim senhor
Depois foi só pegar a estrada de volta.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Professora, merendeira, zeladora e diretora

     Hoje fui a Santa Maria, no município de Timbó Grande. Despertei com a sonzeira do Padre Lídio, mas voltei a dormir e só acordei às 7h15. Corri para o chuveiro, tomei um banho e me mandei. Antes, passei numa padaria. O sono me fez perder o café no seminário. Saí da cidade às 8h, com 11ºnas costas. E fui pelo mesmo caminho que percorri há um ano. E dá-lhe buraqueira. Quando deixei o asfalto e entrei na estrada de chão, tratei de perguntar a um motorista de caminhão sobre a situação do trecho, pois os muitos pontilhões da rodagem costumam ser levados pelas enxurradas. Ele foi no caroço da questão: "a turma puxa madeira, né?". Estrada de madeireiro, meu chapa, não pode ficar obstruída, pensei e fui com fé. 
Pontes e pontilhões são um risco em época de chuva - ponte sobre o rio Caçador Grande
      O termômetro atracou-se com os 11º. Nove horas da manhã e necas da temperatura subir. Encontrei um senhor a cavalo. Sebastião Alonso, 79 anos mora em Santa Maria e estava indo para São Sebastião. "Faço o trecho em cinco horas", orgulhou-se. Dizendo ser bisneto do famoso Chico Alonso, ele desconversou muito até contar duas ou três coisas relacionados à guerra dos caboclos. E explicou o motivo da relutância: "não gosto de falar porque fico emocionado. Eles (os caboclos) sofreram barbaridade. Meu avô contava (e aí ele deixava escapar o verdadeiro laço com Chico Alonço) que uma bainha de facão de couro cru dava um almoço". 
Sebastião Alonso
Chueguei a Santa Maria e fui ver o monumento do Contestado. O marco, que no ano passado encontrei feito pedaços - e que o prefeito de Timbó Grande prometeu reformar - continuava lá, mais despedaçado do que coração de flamenguista depois de nove jogos sem uma vitoriazinha sequer. Ao lado, a escolinha estava funcionando. A criançada brincava no pátio. Perguntei pela professora e eles informaram que ela estava lavando a louça da merenda. Mari Luíza, 49 anos é moradora do lugar e leciona desde 1994. Formada por uma faculdade à distância, acumula as funções de professora, zeladora, merendeira e diretora da escola. E recebe apenas o salário de professora - R$ 500 e pouco. Para piorar, os alunos são de idade e séries diferentes. Todos unidos por uma única professora dentro de uma sala de aproximadamente 50m2. E que está reduzida de tamanho devido a um rombo no assoalho. Olho para o "futuro da nação" e imagino a dificuldade que será o futuro de Santa Maria. 
Luiza e seus alunos
Dar aula, preparar a merenda e lavar a louça
Assoalho comprometido reduz espaço da sala
Em Timbó Grande conversei com o secretário de agricultura do município, Édson Luiz, e ele disse que "tem três escolas em Santa Maria; deve ter uns cem alunos". De quebra, informou o nome da zeladora da escola. Como houve muitas mortes por lá, na época da guerra, imaginei que a tal zeladora deve ser um fantasma. Encontrei o operador de máquinas da prefeitura Erico Groskopf, 47 anos. O salário dele? R$ 729,00. E pensei comigo: é muita teimosia querer ser professor no Brasil. Fui ao secretário de educação, José Guedes, e ele discordou da versão contada por Édsom, confirmando a situação que presenciei. Quando perguntei se a professora não estava tendo acúmulo de função ele foi categórico: "sobre isso não posso responder". De cara amarrada, encerrou o assunto. O Contestado, paisano, está com o passado comprometido e com o futuro hipotecado. Depois completo esta postagem.
Timbó Grande

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Três Barras e Canoinhas, o extrativismo continua

     Hoje fui a Três Barras e Canoinhas, municípios que não visitei na expedição do ano passado. Acorde às seis horas sob o efeito sonoro de Chiquitita, do ABBA. A sonzeira da chuva e da trovoada cessara, quem atacava de DJ agora era, como em setembro de 2010, o padre Lídio. Saí de Ccaçador às 7h30 e o termômetro indicava 15º. Bastou sair da cidade que a chuva recomeçou. Até Calmon ela era uma garoa que variava entre fina e muito fina. Os trinta quilômetros até a cidade que leva o nome de um baiano foram rapidamente vencidos porque quase não encontrei carros no caminho. Sim, Calmon é uma homenagem ao baino que foi ministro da Viação e Obras Públicas do governo Afonso Penna. O lugar se chamava São Roque e teve o nome mudado por divina inspiração do bom moço da Bahia. Vale lembra que o americano Charles Gauld - autor de Farquhar, o último titã -  acusa Calmon de ser astuto e corrupto. Uma placa me chamou a atenção: Calmon, capital da hospitalidade. Quando cheguei a Matos Costa o chuvisco recém havia parado. Estacionei em frente ao museu para conversar com a historiadora Joseti. O estabelecimento estava fechado. Perguntei na casa em frente e me informaram que ela falecera no mês passado. Entristecido pela perda, deixei a cinzenta Matos Costa para trás. A cerração foi ficando cada vez mais densa. Os mais de 1200 metros de altitude fazem da antiga São João do Pobres uma pousada para o nevoeiro.
Museu de Matos Costa acizentado pelo nevoeiro

Esta era a visão que eu tinha de dentro do carro
     A medida que descia a serra, o nevoeiro e a chuva deram uma trégua. Foram substituídas pelos buracos na estrada. Cheguei em Três Barras às 9h55 e conferi a temperatura - 15º. A cidade foi sede da Madeireira Lumber e até hoje não conseguiu se desatrelar do extrativismo florestal. A antiga estação ferroviária deu lugar ao museu do Contestado. Em frente fica o quartel do Exército Brasileiro, ocupando a área que pertencia a Lumber. Alguns prédios do tempo da madeireira ainda estão de pé. A visitação ao local só pode ser feita com agendamento prévio e sempre sujeita ao humor do comandante. 
Antiga estação, hoje museu
Casa remanescente da Lumber - quartel do exército
Antigo escritório central da Lumber
Depois fui a Canoinhas encontrar o historiador Fernando Tokarski, autor de Cronografia do Contestado. Estudioso do Contestado desde o início dos anos 1980, Tokarski é referência na região. Ele guiou-me por alguns lugares da Canoinhas do início do século XX.
Fernado Tokarski
Casarão do início do século passado - arquitetura americana
Casa do início do século passado - tempo da guerra do Contestado
O que resta do marco do Contestado (ver postagens da expedição)
Estação de desembarque das tropas do exército que lutaram no Contestad
Cruz plantada por São João Maria em Canoinhas
Às 17h me despedi de Fernando Tokarski e voltei para Caçador. Cheguei às 19h30, depois de percorrer 157 km. No total, rodei cerca de 400 quilômetros.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Semana no Contestado

Hoje iniciei aquela que estou chamando de Semana no Contestado. Depois de um ano que estive aqui - escrevo agora de Caçador -, tirei estes dias para revisitar alguns locais aonde estive e conhecer outros que ficaram faltando conhecer na expedição que fiz em setembro de 2010.

Semana no Contestado ( 19-23/09/11)
Objetivo: busca de informações para dar suporte ao livro que estou escrevendo  sobre o Contestado, a ser lançado em 2012 nos 100 anos do Contestado.
Saída de Florianópolis: 5h20.
Temperatura: 17º
Chegada em Caçador: 18h10
Temperatura: 17º

     Quando saí ainda estava escuro. Em Santo Amaro da Imperatriz começou uma garoa fina. Na altura de Rancho queimado a cerração cobria a Serra Geral. Cheguei em Lages às 8h05 e o termômetro indicava 12º. Aviso logo que desta vez vim de carro. O tempo chuvoso dos últimos meses foram desestimulante para uma viagem de moto. Passei por Curitibanos por volta das 9h e segui para Frei Rogério. Fui por uma estrada de terra aberta pelos tropeiros no século dezenove. Passava das 10h30 quando estacionei na frente da casa do historiador Pedro Felisbino, em Taquaruçu. Depois do almoço - feito sempre no capricho pela esposa dele - fomos ao local onde ficava o antigo reduto, ao pequeno museu do jagunço (mede 48m2) e subimos até uma capina do outro lado do rio taquaruçu - foi dela que as forças oficiais atacaram a antiga cidade santa dos caboclos. Ainda deu tempo de ir até a localidade de Linha Morais, no município de Monte Carlo. Lá, conheci Alzira Prates, cujo bisavô foi um dos poucos sobreviventes do massacre de Taquaruçu. Tomaz Palhano, o bisavô dela, combateu ao lado de José Maria no Combate do Irani. Às 17h rumei a Caçador. Fui recebido com um abraço pelo Padre João Casara - reitor do seminário diocesano.


Algumas fotos do primeiro dia da Semana no Contestado:

Vestígio do caminho que ligava o antigo reduto de Taquaruçu a Curitibanos

 
Pedro Felisbino em frente ao cemitério usado pelos moradores de Taquaruçu até meados do século passado
Túmulo no antigo cemitério
Visão que os militares tinham do reduto quando fizeram a matança
Parte do reduto está sob o açude
Aqui jaz Taquaruçu
Casa de caboclo - Taquaruçu
Casas de caboclos - Taquaruçu

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Mais um livro para quem quer entender o Contestado

Para quem estuda o Contestado, trago hoje a dica de mais um livro.
É ele:


Farquhar, o último titã - um empreendedor americano na América Latina. É a biografia do capitalista que trouxe a estrada de ferro para o Contestado, escrita por Charles A. Gauld. O livro não pode ser encontado nas livrarias, a não ser por encomenda.

Um pouco de Farquhar:
"Percival Farquhar foi o maior empresário de serviços públicos da história nacional. Em negócios de hoje, ele seria o controlador ou grande acionista da Light, da Eletropaulo, Embratel, Telefônica e Telemar. Isso e mais a Vale do Rio Doce, a Acesita, os metrôs do Rio e de São Paulo, dez ferrovias e um porto."
E acrescento: seria o grande mandatário da CBF.