Perdizinhas e Caraguatá foram o meu destino hoje. Quando saí de Caçador, por volta das 8h, o sol ainda não tinha forças suficientes para desfazer o tapete de nuvens que impediam o brilho e o calor dele. 12º. Segui na direção de Lebon Régis. Poucos metros após o quilômetro 117 fica a entrada para Perdizinhas. Buracos, buracos, buracos. Bastaram três quilômetros e meio para eu avistar, do lado direito, uma construção de madeira. Em frente, sob uns pés de pinheiro americanos, está o carcomido marco do Contestado. Quatro das sete placas que formam o monumento estão faltando. "Foram as pessoas que vieram de Curitiba quem levaram", denuncia Roseli Marafigo, moradora da casa que fica nos fundos do paiol. E completa: "veio um ônibus de Curitiba, faz uns oito anos, e sairam andando por aí, conhecendo tudo. Uns deles arrancaram as placas. Meu piá viu e disse que eles não podiam fazer aquilo, mas eles disseram que iriam fazer umas cópias. Meu piá era pequeno e não pôde fazer nada. No outro dia eu fui à cidade (Lebon Régis) e registrei um boletim de ocorrência na delegacia". Perguntei se ela sabia alguma coisa sobre o grupo paranaense e ela respondeu que "só sei que o nome de uma mulher era Carol, só isso".
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Roseli Marafigo |
Sem ter a menor noção de quem era Carol, e muito menos de como encontrá-la, fui um pouco mais à frente e entrei numa estrada da largura de um sapato número 36. Antes, claro, fotografei a taipa ao lado do marco do Contestado. Historiadores afirmam que ela foi usada pelo exército como crematório de caboclo. Roseli garante: "pode cavar lá dentro que o senhor achará ossos".
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Taipa serviu de "microondas" usado pelo exército |
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Taipa, agora, só recebe vegetação |
Espremendo o carro, alcanço a antiga casa de João Ventura. Filho de Chico Ventura, um dos primeiros líderes dos sertanejos religiosos, João foi tamboreiro do reduto. A construção, que sobreviveu a guerra, está lá. Um símbolo da resistência cabocla. De alteração só tem uma varanda coberta por telhas de amianto. Entrar é mergulhar num portal que remete o visitante aos anos 1910. Toda feita em madeira - exceto um cubículo erguido anos depois, na frente -, foi completamente preservada. A maioria dos cômodos não possuem iluminação artificial. Réstias de sol entram pelas frestas e dão ao local um aspecto mais antigo ainda. O dia ensolarado facilita minha incursão. Peço permissão para subir ao sótão. Sou autorizado, não sem uma reserva: "cuidado com os degraus". Pé ante pé, alcanço o assoalho superior. Por uma rótula, consigo ver a vereda que traz àquela que foi o lar de Ventura. O cheiro no interior da residência do velho líder dos rebeldes é uma mistura de vários aromas. De cara, identifico três: tabaco, mofo e fumaça.
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Casa de João Ventura - Perdizinhas/Lebon Régis |
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Eu estive lá, na casa de Ventura |
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Interior de um dos quartos |
O sol já reinava absoluto no chão que um dia abrigou os caboclos rebelados, quando deixei a casa que morou João Ventura. Fui à Caraguatá. Pense numa estrada ruim. Multiplique por 27. É a que vai para São Sebastião do Sul. O lugarejo já teve diversos nomes - entre eles, Caraguatá e São Sebastião. Do asfalto até o povoado são exatos onze quilômetros. Que saudade da motoca. Tinha que dirigir a 20km/h. Na moto, ano passado, eu andava a 80 sem correr risco - exceto a possibilidade de cair e quebrar uma perna, os dois braços e 72 costelas. A verdade é que a estrada é feita para motocicletas e caminhões que carregam madeira. Se não fosse o visual, seria um terror.
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Estrada para caraguatá |
São Sebastião é um lugarejo com uma meia dúzia de três ou quatro casas. Mato à dentro, no entanto, elas ganham número que chega aos três dígitos, segundo moradores do lugar. Não tem uma escola, sequer. Grande mesmo só o cemitério, que tem até lápide feita toda em madeira.
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Lápide em madeira |
Aproveitei para registrar minha passagem pelo povoado atacado pelo exército na guerra fratricida que exterminou moradores do sertão catarinense no início do século passado.
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Opa, o Gile foi lá, sim senhor |
Depois foi só pegar a estrada de volta.
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