quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Ô, Carol, devolve as placas, vai

     Perdizinhas e Caraguatá foram o meu destino hoje. Quando saí de Caçador, por volta das 8h, o sol ainda não tinha forças suficientes para desfazer o tapete de nuvens que impediam o brilho e o calor dele. 12º. Segui na direção de Lebon Régis. Poucos metros após o quilômetro 117 fica a entrada para Perdizinhas. Buracos, buracos, buracos. Bastaram três quilômetros e meio para eu avistar, do lado direito, uma construção de madeira. Em frente, sob uns pés de pinheiro americanos, está o carcomido marco do Contestado. Quatro das sete placas que formam o monumento estão faltando. "Foram as pessoas que vieram de Curitiba quem levaram", denuncia Roseli Marafigo, moradora da casa que fica nos fundos do paiol. E completa: "veio um ônibus de Curitiba, faz uns oito anos, e sairam andando por aí, conhecendo tudo. Uns deles arrancaram as placas. Meu piá viu e disse que eles não podiam fazer aquilo, mas eles disseram que iriam fazer umas cópias. Meu piá era pequeno e não pôde fazer nada. No outro dia eu fui à cidade (Lebon Régis) e registrei um boletim de ocorrência na delegacia". Perguntei se ela sabia alguma coisa sobre o grupo paranaense e ela respondeu que "só sei que o nome de uma mulher era Carol, só isso".
Roseli Marafigo
     Sem ter a menor noção de quem era Carol, e muito menos de como encontrá-la, fui um pouco mais à frente e entrei numa estrada da largura de um sapato número 36. Antes, claro, fotografei a taipa ao lado do marco do Contestado. Historiadores afirmam que ela foi usada pelo exército como crematório de caboclo. Roseli garante: "pode cavar lá dentro que o senhor achará ossos".
Taipa serviu de "microondas" usado pelo exército
Taipa, agora, só recebe vegetação
     Espremendo o carro, alcanço a antiga casa de João Ventura. Filho de Chico Ventura, um dos primeiros líderes dos sertanejos religiosos, João foi tamboreiro do reduto. A construção, que sobreviveu a guerra, está lá. Um símbolo da resistência cabocla. De alteração só tem uma varanda coberta por telhas de amianto. Entrar é mergulhar num portal que remete o visitante aos anos 1910. Toda feita em madeira - exceto um cubículo erguido anos depois, na frente -, foi completamente preservada. A maioria dos cômodos não possuem iluminação artificial. Réstias de sol entram pelas frestas e dão ao local um aspecto mais antigo ainda. O dia ensolarado facilita minha incursão. Peço permissão para subir ao sótão. Sou autorizado, não sem uma reserva: "cuidado com os degraus". Pé ante pé, alcanço o assoalho superior. Por uma rótula, consigo ver a vereda que traz àquela que foi o lar de Ventura. O cheiro no interior da residência do velho líder dos rebeldes é uma mistura de vários aromas. De cara, identifico três: tabaco, mofo e fumaça.
Casa de João Ventura - Perdizinhas/Lebon Régis
Eu estive lá, na casa de Ventura
Interior de um dos quartos
     O sol já reinava absoluto no chão que um dia abrigou os caboclos rebelados, quando deixei a casa que morou João Ventura. Fui à Caraguatá. Pense numa estrada ruim. Multiplique por 27. É a que vai para São Sebastião do Sul. O lugarejo já teve diversos nomes - entre eles, Caraguatá e São Sebastião. Do asfalto até o povoado são exatos onze quilômetros. Que saudade da motoca. Tinha que dirigir a 20km/h. Na moto, ano passado, eu andava a 80 sem correr risco - exceto a possibilidade de cair e quebrar uma perna, os dois braços e 72 costelas. A verdade é que a estrada é feita para motocicletas e caminhões que carregam madeira. Se não fosse o visual, seria um terror.
Estrada para caraguatá
São Sebastião é um lugarejo com uma meia dúzia de três ou quatro casas. Mato à dentro, no entanto, elas ganham número que chega aos três dígitos, segundo moradores do lugar. Não tem uma escola, sequer. Grande mesmo só o cemitério, que tem até lápide feita toda em madeira.
Lápide em madeira
Aproveitei para registrar minha passagem pelo povoado atacado pelo exército na guerra fratricida que exterminou moradores do sertão catarinense no início do século passado.
Opa, o Gile foi lá, sim senhor
Depois foi só pegar a estrada de volta.

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