segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Oitavo dia - permita-me a rima

Museu do Contestado -  Matos Costa
Oitavo dia da expedição
Destino:
 Acampamento das tropas do general Setembrino de Carvalho – Porto União
Túmulo do capitão Matos Costa – Matos Costa
Madeireira Lumber – Calmon
Distância:
Porto União – 84 km
Matos Costa – 49 km
Calmon – 21 km

          Acordei às quatro e meia da manhã com o estampido dos trovões. “Ih, minha viagem não será fácil”, pensei. Cinco horas - começou a chover forte. Dez minutos se passaram e o aguaceiro cessou. Seis horas - musica para acordar. Seis e meia - café da manhã. Chuva. Oito horas - abastecimento da moto e calibragem dos pneus. Na hora de sair, novo pé d’água. Quando a chuva deu uma trégua eu segui na direção de Porto União, cidade onde as tropas do general Setembrino desembarcaram para combater os sertanejos catarinenses. Foi lá, também, que o coronel João Gualberto acampou, antes de ir para o Irani combater as hostes de José Maria, conforme contei no segundo dia desta expedição. Confesso que saí de Caçador em dúvida: “Vou a Porto União ou vou direto a Três Barras, onde ficava a sede da madeireira Lumber, que varreu as árvores de Santa Catarina no início do século passado?” Poucos quilômetros de estrada me fizeram decidir por Porto União.
Oh, dúvida cruel
         Foram necessários apenas cinco quilômetros para decidir meu rumo. Uma forte chuva impedia que eu ultrapassasse os 70 km/h. A água que descia das barrancas criava grossos rios sobre o asfalto. Minha sorte era o asfalto novo. Só quando me aproximei de Porto União foi que encontrei buracos na pista – nada de mais para quem peregrinou por Timbó Grande. O vento lateral empurrava a moto para fora da pista. Eu precisava ter punhos firmes e muita perícia, principalmente nas curvas. Ponto positivo? Não havia tráfego. O frio, entretanto, me forçou a usar uma balaclava de lã. Resultado: meus óculos e a viseira do capacete embaçavam a todo instante. Era preciso abrir a viseira o tempo todo. Aí já viu o friozão, não é? Para complicar mais, a cerração aumentava a medida que eu subia a serra na direção de Matos Costa. Os mais de 1.200 metros de altitude da cidade tornam-na uma morada para o frio e para a neblina. A roupa de cordura evitava que o Gile se molhasse. A luva que eu comprara na véspera da viagem, revelou-se resistente à água. Não impedia, porém, que o frio castigasse meus dedos. O problema maior eram os pés molhados. A bota não suportou cinco minutos de chuva. “É, Três Barras, vais ficar para outro dia”, resolvi.
Pilotagem exigia atenção redobrada
          Por volta das dez da manhã cheguei a Porto União. Meu amigo Delmir Valentini, historiador, indicou-me um nome para procurar na cidade – seria meu guia. Parei em um posto de gasolina e perguntei a uns policiais: “Vocês sabem onde posso encontrar o professor Helói Tonhão?” Os fardados trocaram cochichos e formataram uma resposta simpática: “Conhecemos um professor Helói; o senhor vai achá-lo na universidade”. Só depois percebi que a resposta foi simpática. Ensinaram-me como chegar à universidade onde trabalha “Tonhão”. Fui recebido pelo professor com muito carinho. Ele levou-me para conhecer o local da antiga estação, onde as tropas militares desembarcavam e acampavam em um plano logo abaixo. Foi comigo por diversos lugares e não poupou o corola pelas ruas da cidade. De fato, o Delmir tinha razão: “Tonhão”, permita-me a rima, era um perfeito anfitrião. Voltamos para o escritório dele e quando ele me presenteou com um livro que escreveu sobre o Contestado foi que percebi a “simpática” resposta dos policiais. O nome do cidadão era Helóy Tonon. Lembrei da lição: “cuidado ao anotar o nome de uma fonte”, orientou-me, certa vez, meu amigo e mestre Billy Culeton.

Gramado à margens do rio Iguaçu onde acampavam as tropas de Setembrino

Professor Helóy "Tonhão"
         Por volta das onze e meia peguei a estrada de volta. Sorte minha, não chovia. O verde do pinus poluía o horizonte. Veio-me à lembrança as palavras de vários agricultores com os quais conversei nesta jornada: “O pinus vai acabar com as nossas águas”. Parei em São João dos Pobres, atual Matos Costas e fui ao museu. O estabelecimento estava fechado. Perguntei onde morava a administradora do guardador de histórias. Encontrei com facilidade. Perguntei se ela podia abrir o museu e depois me mostrar o local exato em que mataram Matos Costa, o militar que entendeu a causa dos sertanejos. Eu trazia na bagagem um livro autografado pelo professor “Tonhão”. Ele aproveitou minha visita e pediu que eu entregasse o exemplar para ela, que foi aluna dele no curso de História. Josete foi muito solícita. Neta de uma bugre e de um polaco, Josete Dambrowski desdobra-se para manter o museu aberto. Ela guiou-me até o túmulo do capitão. É perto da cidade. Bastaria pegar a SC que leva à BR – 153. Não deu um quilômetro de estrada, se é que podemos chamar aquilo de estrada. A terra, ou melhor, os buracos estavam cheios de lama. E eu que pensava não me deparar mais com o descaso de governantes, enlameei novamente a montaria. Não deveriam ter mudado o nome do município; tinham que ter mudado o município. Continua pobre.
Todos os caminhos levam ao pinus
 
Historiadora luta para manter  museu em Matos Costa

Túmulo de Matos Costa
          Às três da tarde acelerei na direção de Calmon. Calmon tinha, na época da Guerra do Contestado, uma serraria da madeireira Lumber. A empresa era uma espécie de instituição irmã da Brazil Railway – a construtora da estrada de ferro que provocou o desalojamento dos moradores da região. A sede da Lumber era em três Barras. Os jagunços revoltados botaram fogo na serraria e mataram alguns funcionários. Fui à prefeitura e perguntei se algum funcionário poderia me explicar onde ficava a antiga serraria. A recepcionista, assustada, respondeu que “só quem sabe explicar é o JB, e ele não está na cidade”. Perguntei se niguém, além do citado, conhecia a história da cidade. A cada pergunta minha, a assustada ia até uma sala e voltava com uma resposta vazia. Só quando eu pedi o nome dela foi que ela correu até a saleta e voltou acompanhada de uma senhora que não entendia nadica da história do município. Depois veio um rapaz que se dizia entendedor da cidade. Perguntei em que lugar ficava a Lumber. Ele disse que essa parte antiga ele não conhecia. Perguntei se é possível conhecer uma cidade quando se ignora sua história e ele assumiu: “É, realmente, não conheço”. Nem vou falar a respeito da prefeitura. Um prédio luxuosíssimo que, fora de brincadeira, quase comporta, apenas no hall, a cidade inteira.
Aqui ficava a antiga serraria da Lumber
Prefeitura é maior que a cidade
          À duras penas localizei Márcio Fragoso, um guia turístico muito educado e prestativo. Ele mostrou-me o terreno onde ficava a antiga serraria e contou-me um pouco sobre o município. Passava das quatro da tarde quando me despedi de Fragoso. Por volta das cinco cheguei à prefeitura de Caçador. Depois segui para o meu QG. Um banho quente e demorado me restabeleceu. Por volta das vinte horas jantei na casa do meu amigo, agrimensor Juruá. Onze horas, hora de dormir.




5 comentários:

  1. Parabéns Gile! por este importante documento de pesquisa, esclarecendo uma mancha negra de SC, um câncer ainda dificil de curar nas almas de muitas pessoas descendentes da guerra, mostrando algumas coisas que mais domina a natureza humana: cobiça(no caso ganância por terras) avareza, fama, desprezo ao próximo, tramas. Hoje como no passado, nossos dirigentes seguem a mesma trilha. É como diz a bíblia "Madito o homem que confia no homem".

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  2. JOÃO BATISTA FERREIRA DOS SANTOS19 de outubro de 2010 às 15:44

    GOSTARIA DE DIZER AO PREZADO PESQUISADOR, QUE FUI AVISADO DA SUA PRESENÇA, SOU ASSESSOR DE IMPRENSA E ESTAVA ATENDENDO UM PESSOA DE TURISMO PARA MOSTRAR A NASCENTE DO RIO DO PEIXE, ENTRE OUTRAS ATRAÇÕES DO MUNICÍPIO. GOSTARIA DE INFORMA-LO QUE A CIDADE É PEQUENA REALMENTE, MAS FOI A QUE ME ABRIGOU DESDE O MEU NASCIMENTO. DEVIDO A SUA PRESSA, NÃO CONSEGUI ATENDE-LO.
    GOSTARIA DE INFORMA-LO TAMBÉM QUE FUI O EU E ALGUNS COLEGAS QUE INICIAMOS O TRABALHO DE PESQUISA SOBRE CALMON.EM DEZEMBRO DE 2009, LANCEI O ÚNICO LIVRO QUE CONTA A HISTÓRIA DE CALMON NA GUERRA DO CONTESTADO,, E JÁ ESTÁ VINDO O SEGUNDO. TENHO ATENDIDO A TODOS , PRINCIPALMENTE OS MENOS APRESSADOS QUE GOSTAM REALMENTE DE CONVERSAR E NÃO TECER CRÍTICAS AS PESSOAS.EM MATOS COSTA, AQUELA PLACA É APENAS UMA HOMENAGEM, NÃO O TÚMULO DO CAPITÃO.
    AQUI ESTAMOS SEMPRE A DISPOSIÇÃO PARA RECEBER A TODOS OS COM OU SEM EDUCAÇÃO. ALGUMA INFORMAÇÃO A MEU RESPEITO ESTOU A DISPOSIÇÃO. MEU NOME É JOÃO BATISTA FERREIRA DOS SANTOS(JB), GRAÇAS AO GRUPO RESGATE CALMON FOI NOVA,MENTE DESCOBERTO.

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  3. Confesso sentir alguma aspereza no comentário do Sr. João Batista, nao entendi o porque pois tratar-se apenas de um desencontro.
    Talvez o senhor esteja algo " R " preso que fique tão irritado com a presença de um pesquisador de fora.
    " R " preso falando da infestação do pinus, do acobertamento de vários acordos feitos por interresse de grandes empresas e que a midia nunca fica sabendo, nao é mesmo amigo.
    Eu nao poderia deixar de agradecer ao amigo de fora que nos visitou, para que nossa História nao fique esquecida, volte sempre, e caso o senhor acima citado não puder atende-lo, tem varias familias que gostariam muito de conversar com o amigo.
    Grato e volte sempre amigo historiador.

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  4. JOÃO BATISTA FERREIRA DOS SANTOS30 de outubro de 2010 às 12:28

    Ao senhor anônimo, da próxima vez coloque o nome, R preso deve ter a sua pessoa, que infelizmente é tão covarde que nem o nome tem coragem de publicar. Não somos contra nenhum historiador, fato parecido acontecia quando o prefeito de seu partido governava Calmon, e o "senhor"-sei quem é-, também ajudava a denegrir o nome do Grupo Resgate. Por parte de vossa pessoa, que deve ter muitas mágoas em torno do trabalho de pessoas que formaram um grupo e muito conseguiram. Lembro, quando você e , seus amigos se "achavam" e agora tentam ser os melhores. Faça como eu, pesquise, lance um livro, ou demonstre que realmente é de Calmon.
    Foi através do Grupo Resgate que a história de Calmon ficou conhecida. O que voces fizeram, além de reclamar e pensar que é melhor.
    meu nome é João Batista Ferreira dos Santos(JB), e o seu?????

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  5. Ola Gilead,
    Agradeço pela visita à Calmon, peço desculpas se por ventura não consegui ajudar com alguma informação, mas estarei sempre à disposição para o que precisar, abraços e sucesso em sua pesquisa.

    Fragoso
    Guia de Turismo

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