terça-feira, 14 de setembro de 2010

Segundo dia da expedição - O túmulo do monge José Maria


O pínus tomou conta do Contestado

         Oito horas da manhã. Tempo bom em Caçador. Hora de viajar para o Irani. Abasteço a montaria e sigo pela SC-451. A rodovia até que está em bom estado de conservação. Quase não há buracos. E não é pedagiada. Mas é pista simples. Depois de rodar 15 km começa a garoar. Sabe aquela garoa intermitente? Incomoda, não é? Pois era dessas. Nada de sol. A garoa aumenta cada vez mais. De vez em quando dou uma paradinha para fazer fotografias. São 60 km entre Caçador e a BR-153. O que mais se vê são florestas de pinus elliotis, a praga verde, para muitos. Lembro de Casa Grande e Senzala quando Gilberto Freire fala sobre o dano causado pela monocultura. Chego na 153, a famosa Transbrasiliana. Maravilha de esfalto. A chuva, que substitui a garoa é logo esquecida; estou nos famosos Campos de Palmas - lugar tão cobiçado pelo Paraná no fim do século dezenove e início do século vinte. E que mesmo com Santa Catarina ganhando a disputa, legalmente, pela posse do território, os vizinhos paranistas insistiam em tentar dominá-lo.

          Depis de 25 km o asfalto vira do vinho para água. Ainda bem que estou em uma moto off-road. Em determinados momentos preciso pilotar em pé. Com tantas crateras na estrada, o jeito é aliviar a pressão no ciático. A chuva não resiste aos ventos e ao sol. Céu azul, agora. Cruzo a BR-470. Mais quatro quilômetros e enchergo, à minha direita, o Museu do Contestado. São 114 quilômetros separando o centro de Caçador do Banhado Grande - local do primeiro combate da chamada Guerra do Contestado. É alí que enterraram José Maria, o curandeiro de ervas que conduziu os caboclos do sertão na luta pelo direito da propriedade.


Vicente  Telles  com a bandeira e o facão  que
os caboclos empunhavam quando combatima

          Sou recebido pelo folclorista Vicente Telles, um decendente de caboclos, músico e ex-sargento do exército. Depois publicarei a entrevista que fiz com ele, com direito a vídeo e tudo. Vicente se emociona ao contar da luta para resgatar a memória do Contestado. A manhã vai embora rapidinho. Ele me convida para almoçar em um restaurante às margens da BR-470. A comida estava uma delícia. O papo foi muito melhor. Nessas horas o entrevistado esquece que é fonte de informações e abre o coração. São quase 14h. Um estagiário da prefeitura do Iraní, funcionário do museu, é destacado para me acompanhar ao local exato onde ocorreu o combate entre os homens da polícia do Paraná e os caboclos de José Maria. É história na fonte. É jornalismo além da internet e do telefone. Visito o palco do entrevero e pareço mergulhar no tempo. Muitas árvores que testemunharam o banho de sangue continuam por lá. Fico emocionado quando vejo a vala onde foram enterrados militares e fanáticos - como eram chamados os caboclos seguidores de José Maria. Na hora de voltar ao pó, não houve distinção de partido, estavam unidos pelo sangue derramado. Só João Gualberto, o coronel da polícia paranaense mereceu distinção - foi exumado e transportado para Curitiba.


Túmulo de José Maria - Santa Catarina
 não sabe distinguir heróis de bandidos

          Por último reverenciei o túmulo de José Maria, nordestino como eu, segundo os principais estudiosos do tema. Pernambucano o camarada. Umas pedras no chão marcam o lugar onde foi enterrado o líder religioso. Nenhuma placa, nenhuma menção honrosa, uma cruz quase caindo. De fato, Santa Catarina parece tentar esquecer o Contestado. Hora de voltar para meu QG. Às dezoito horas estou de volta a Caçador. Tomo banho e vou ao refeitório. Não, não é para comer, é para cumprimentar alguns dos meus novos amigos - entre eles o padre João Casara e o padre Gilberto Tomazi. Hora de sair para conversar com um agrimensor que conhece bem os redutos onde os caboclos se refugiavam na tentativa de fugir da fúria do progresso. Ôpa, a pizza é uma delícia, e foi por conta do entrevistado. 23 horas - volto ao seminário e começo a escrever. Como canta Guilherme Arantes, amanhã será um lindo dia. Amanhã vou a Taquaruçu, o primeiro reduto dos sertanejos.


Um comentário:

  1. Ora acompanho o seu interessante blog. Vou à região do Contestado dentro de 15 dias. Pretendo percorrer todos os locais mais importantes da área. Por favor, ainda não consegui obter uma informação, o local exato onde tombou Maria Rosa. Li que foi numa tal Vila Reinhartd, às margens do rio caçador. Mas não consigo descobrir o local no mapa. Ainda existe? Obrigado, Luiz Carlos, de Rib Preto/SP.

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