sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Quinto dia - São João Maria não morreu

          Ontem fiquei em Caçador. Aproveitei para organizar o material coletado até o momento – vídeos, fotos e áudios. Fiz também algumas entrevistas na cidade. E, confesso, descansei um pouco; a viagem a Taquaruçu foi desgastante.

Quinto dia da expedição

Destinos:

Perdizinhas – município de Lebon Régis

Distância de Caçador: 36 km

Serra da Esperança – Município de Lebon Régis

Distância de Caçador: 51 Km


Acesso a Perdizinhas

          Saí de Caçador por volta das 8h30. O céu estava azul, azul. Não havia uma nuvem, sequer. Mas o friozinho e a lição que recebi, quando fui a Taquaruçu, me obrigaram a usar a pesada roupa de proteção. Perdizinhas fica no município de Lebon Regis, há cerca de 40 quilômetros de Caçador. O asfalto é ótimo, mas não vai até perdizinhas. Um trecho é de pedregulho. Para variar não existem placas indicando o lugar. Tudo bem. Quando você passra pela ponte sobre o rio dos patos pode entrar no primeiro acesso à esquerda. É uma estrada de terra. Em se tratando de sítios históricos do Contestado, é mais do que esperado. Aí é só seguir por uns três quilômetros e prestar atenção em uma casa do lado direito da estrada. Em baixo das árvores há um marco do Contestado colocado na época em que Espiridião Amim era governador do Estado. Ao lado do monumento, que por sinal está em completo abandono, pode ser visto uma taipa – uma espécie de muro de pedras encaixadas, muito comuns na serra catarinense – onde os caboclos eram assassinados pelo exército brasileiro. Conforme alguns historiadores, os sertanejos eram colocados dentro do recinto e depois queimados. Maurício Vinhas de Queiroz, que esteve no local em 1954, destaca em seu livro, Messianismo e Conflito Social, que em perdizinhas o capitão Vieira da Rosa havia estabelecido seu comando. Vinhas é um dos historiadores que denuncia a barbárie praticada pela força catarinense - "geralmente os cadáveres eram queimados em grandes fogueiras de grimpas de pinheiro". Perdizinhas foi palco de execuções sumárias e outras arbitrariedades da parte de quem deveria estabelecer a ordem e a lei.
 
Monumento depredado - ao fundo, taipa usada para servir de crematório


          Em Perdizinhas conheci Silvério Nordio Palhano, 21 anos. Ele estava arando a terra para plantar cebola. Silvério mora com os pais e trabalha na agricultura. Ele me mostra os lugares onde costuma encontrar balas de fuzil do tempo da guerra. E me presenteia com duas. Depois vai comigo tentar achar alguma onde o trator acabou de arar. “Aqui eu encontrei doze balas dentro de um cupinzeiro”, diz enquanto aponta para o terreno. Não tive sorte. Tudo bem, já botara no bolso minha herança da guerra. Eram quase 11 horas, o sol tinha dado um pontapé no frio e a roupa de moto me fazia suar em torneiras. A temperatura na região é assim mesmo, muda em questão de poucas horas. Nos despedimos e segui para a Serra da Esperança.


Silvério Nordio

Silvério procurando bala de fuzil

 
O calor me obrigou a trocar de roupa
        

Isso é que é estrada
          Se você que leu o terceiro dia da expedição, sabe o que falei sobre a estrada para Taquaruçu. Agora pense naquela estrada e piore 54 vezes, é a estrada para a Serra da Esperança. É uma buraqueira só. Para piorar, mais de trinta dias sem chover deixa um pó sobre o caminho. A coisa fica insuportável quando os caminhões carregados de madeira passam. Aí era preciso parar a moto. Não dava para ver nada. As pedras soltas são uma ameaça aos motociclistas. Os caminhões, do tipo bi-trem, fazem valos no terreno. É preciso perícia para conduzir a moto. A receita é pneu cheio para não furar, aceleração reduzida e constante para segurar a moto e evitar freadas bruscas. Pilotar devagar, na minha opinião, é pior. Pisar em um seixo a 15 por hora é queda certa. Eu acelerava a magrela e quando tinha uma pedra maior pela frente atacava-a pelo meio. Agredia com o pneu dianteiro e firmava o guidom. Claro que em certos lugares a velocidade precisava ir a quase zero, mas em seguida o giro do motor subia. Tinha vezes que a moto parecia deslizar sobre as pedras soltas. A traseira balançava para um lado e para o outro. Uma curva mais traiçoeira me fez passear pela vala que margeia a estrada. Foi só um susto. Analisei o terreno e tornei a acelerar. 

Caminhões bi-trem estragam a estrada
          Na Serra da Esperança conheci o senhor Virgílio Leão de Carvalho. O homem tem 102 anos. Mora sozinho em uma tapera. Por ter sido indicado pelo filho dele, fui recebido com muito agrado. Contou algumas histórias da época dos redutos e disse que o lugar onde mora era povoado por jagunços. “aqui, o único que não era jagunço era o meu pai. O resto, todo mundo era”. Não vou falar muito sobre ele porque em breve postarei um vídeo dele. Fui convidado para almoçar na casa de Antenor Vieira de Carvalho, filho de Virgílio. Depois do almoço fui visitar uma fonte onde, segundo os moradores, São João Maria pousava ao lado. Para eles a água da fonte é milagrosa. Ainda hoje os caboclos levam os filhos para serem batizados lá. Quem me conduziu ao lugar foi Aloir Alves de Oliveira, 30 anos. Foi 1,5 quilômetros de subida íngreme até a fonte milagrosa. Quando voltávamos Aloir surpreendeu-me com uma pergunta: “O senhor acredita que São João Maria não morreu?” Disfarço e devolvo a pergunta. Fico mais surpreso ainda: “São João Maria não morreu”, enfatizou Aloir. Mais tarde, já em Caçador, fiz a mesma pergunta a um seminarista e ele me deixou desnorteado: "São João Maria nao morreu", respondeu Hilton Wzorek, 17 anos, natural de Canoinhas.

Virgílio Leão, 102 anos
Aloir na gruta/fonte de São João Maria


Hilton Wzorek - seminarista crê que São Joao Maria não morreu

          Depois disso, fui até ao monumento erigido em homenagem aos sertanejos mortos nas lutas que banharam de sangue o sertão catarinense. Já passava das 15 horas quando acelerei a motoca na direção de Caçador. Quando cheguei, parei em uma padaria e fiz um lanche. Estava morto de fome. Cheguei  no bagaço ao meu QG. Tomei um banho saí para fazer outra entrevista.

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