sábado, 18 de setembro de 2010

Sexto dia - "Minha vó foi pega a cachorro"


Estrada corta propriedades

Sexto dia da expedição
Destino: Caraguatá – município de Lebon Régis
Distância: 35km – 23,5 km de asfalto e 11,5km de estrada de terra

          Acordei de súbito e dei uma espiada no relógio. Faltavam três minutos para as sete horas. “Caramba – pensei – dormi tanto que nem escutei o despertador do padre Lídio”. Enquanto arrumava a cama fui surpreendido pela música alta da vitrola do ancião. Logo entendi que, por ser sábado, o horário de despertar era aumentado em uma hora. Tomamos café por volta das sete e meia. Conversamos bastante. O tipo de desjejum que eu precisava para encarar mais um dia de expedição com alto astral. Saí de Caçador por volta das oito e trinta. Peguei a rodovia SC-302 com destino ao vizinho município de Lebon Régis. Eu meço a distância entre os lugares à partir da praça da carroça, no Centro de Caçador. Viajei por 23,5 quilômetros e cheguei à localidade de Faxinal São Pedro. Entrei à esquerda, seguindo placa para São Sebastião do Sul. Mais uma estrada de terra. Essa ainda é pior do que a de ontem.
Entrada para Caraguatá - a placa indica São Sebastião do Sul

Que beleza de estrada
           Sabendo que a distancia a percorrer era pequena, fui bem devagar. Aproveitei ao máximo a paisagem do lugar. Parei para contemplar a gralha azul, ave típica da região com mata de araucária. Como eu piloto com a câmera no pescoço, facilita o liga e desliga do equipamento. Cada paradinha rápida, uma foto. Depois de 6,5 quilômetros cruzei a ponte sobre o rio Caraguatá. Bem na beira da estrada, do lado direito, fica um marco da Guerra do Contestado. Os monumentos foram colocados pelo governo do Estado quando Espiridião Amim era governador. As placas tinham sido arrancadas. Restou a enorme pedra, em formato retangular, que servia de suporte para as chapas metálicas. Quem fez isso? Ninguém sabe, ninguém viu. Um morador revelou haver gente que ficara descontente com o monumento. Segundo essas pessoas o governo estava tratando os bandidos como se fossem heróis. O homem pediu para não ter o nome divulgado.
Ponte sobre o rio Caraguatá - à direita, marco do Contestado

Vandalismo ou tentativa de esconder a história?
          De um lado e de outro do caminho as fazendas de pinus elliotis tornam a paisagem uniforme. Paro e fotografo a parte de baixo dos pinheiros. Não tem vida. É escuro e seco, cheio de grimpa. A monocultura está dominando o lugar. Andei mais 5 quilômetros e cheguei a uma planície verde e limpa. Do lado esquerdo, em um pequeno aclive, notei outro monumento do governo à Guerra do Contestado. Esse está incólume. Umas poucas casas, uma igreja católica e um cemitério. Tinha chegado a São Sebastião do Sul.  Era onde ficava o reduto de Caraguatá. Nesse reduto os caboclos derrotaram uma expedição do exército. Foi em Caraguatá, também, que o exército, mais tarde, declarou o fim da guerra e o extermínio dos sertanejos. Interessante que São Sebastião surgiu quando um casal doou ao santo uma área para ser criada a vila. O escritor Paulo Pinheiro Machado conta o episódio em sua tese de doutorado. A doação foi registrada em cartório.
Pinus elliotis
        
Cadê a vida?

E quem é louco de entrar?


Pinus de um lado e do outro
         Encontrei Dirceu Brasil Moreira, 40 anos, agricultor. Nascido e criado em Perdizes. Perdizes, Caraguatá e São Sebastião são nomes dados à mesma localidade em diferentes momentos. Dirceu é agricultor e planta tomate, feijão, milho e pimentão em 200 alqueires de terra. Pergunto sobre a forte estiagem que castiga o lugar – quase dois meses sem chover – e ele é taxativo: “quem vai acabar com a água é o pinus. Descendente de caboclos ele conta que a vó “foi pega a cachorro”, isto é, era índia e foi capturada no mato.        
A vó desse homem era bugre e foi capturada no mato
           Segui para a casa do senhor Artur Granemann de Souza. Oitenta e quatro invernos em Caraguatá. “Teve vezes que a neve dava mais de um palmo”, afirmou. Ele narrou em detalhes a história do lugar. “Aqui tinha até casa de comércio”, lembrou. Quando perguntei pela  religiosidade cabocla ele me surpreendeu: “Um irmão do falecido meu pai era afilhado de São João Maria”. Percebi que a crença cabocla tomou conta de todo tipo de morador do sertão. Não importava a origem, não importava a raça, São João Maria era o cara. Seu Artur não tem boas lembranças do tempo dos conflitos: “Minha mãe contava que a casa dela foi queimada pelos jagunços”, lamentou. Ele disse que as pessoas que não seguiam os jagunços tinham  as casas incendiadas. Findei almoçando na casa do seu Artur. A comida estava uma delícia.
Artur Granemamm
         Depois do almoço, a filha dele, Nilva Granemann, casada com um primo, também Granemann, trouxe-me o livro da capela do povoado. Ali estava registrado um fato interessante: a imagem de São Sebastião que tem na igreja é a mesma que os jagunços tinham em seus redutos. Quando saí de lá, fui até o templo e fotografei a escultura. Depois subi em uma cadeira e verifiquei que a imagem tinha escapado de um incêndio. Tinha restos de tisne que sujaram a minha mão ao tocá-la. É um forte indício da veracidade da história. Depois disso, montei na minha égua amarela e voltei para Caçador. Após várias paradas, cheguei ao meu QG por volta das cinco da tarde. Hora de um banho quente. Amanhã irei a Santa Maria – Vale do Timbó.
Imagem de São Sebastião é a mesma venerada pelos jagunços



3 comentários:

  1. Acaso em suas viagens por terras do conflito do contestado você ouviu alguma referencia sobre Maria Rosa ou Chica Pelega? Eu pergunto porque estou a retratar a guerra em duas versões em óleo sobre tela, sendo 20 sertanejo e 20 militar, o caso é que nos livros nãose diz o tipo físico delas, apenas que eram valente e tal, mas eu as imagino lindas, cabelos longos olhos verdes, e de pele morena ou quase rosada, seria esta a verdade sobre elas? acaso alguem lhe contou como eram, se acaso forram parentes as duas ou não, porque tem livro que diz serem mãe e filha noutros que uma delas ser lenda enfim eu queria ser o mais próxima da realidade possivel poderia me ajudar, obrigada e parabéns por sua ideia de pesquisar e visitar estes locais.
    Mariana

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  2. Meu pai contava que a vó dele tinha sido pega a dente de cachorro eu pensava que isso não existia!! Que interessante!

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  3. Quanta distorção da realidade. Os bugres foram todos mortos na mesma época ou ainda antes da Guerra do Contestado. A vó desse homem. D. Cecília Granemann, nunca foi bugre. Já a vó materna dele D. Odócxia de Souza Carlin, pode ter sangue de bugre pelo lado dos Souza da família. Mas nenhuma das avós dele foi pega por cachorros. Uma passadinha no local, uma conversa sem profundidade, sem investigação, não proporciona fundamentos para estas afirmações. E o jornalismo sério e profissional onde está?

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